Pieces of a Woman e como o sofrimento da mulher nunca é para ela

gi del fuoco
3 min readApr 26, 2021

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Pieces of a woman

A sensação que eu tive é que aquela meia hora do filme onde mostra o parto teve uma duração infinita. A não interrupção do parto me deixou muito agoniada e o que foi brilhante.

Primeiro pelas escolhas da mulher que irá parir: um parto em casa, sem nada de luxo, sem fotógrafos, apenas um parto, esse que não deveria ser encarado como processo cirúrgico. Deveria ser leve.

Martha se esforça para ser tudo natural, né? Tudo dentro do normal. Se esforça tanto que esqueceu de si, tive essa impressão. Não sei, que agonia. Vai pro chuveiro, gritos, desespero, ela não consegue, ela consegue, a bebê nasce, fica bem, a bebê morre.

E todos os problemas começam a ganhar considerável contraste, inclusive para com o casal Sam e Martha. Sam volta ao alcoolismo. Martha volta para o trabalho normalmente.

E aí que a trama começa a ficar boa. Todos lamentam pela perda de Martha, todos começam a querer saber mais do que Martha sente do que ela mesma.

O que ela sente? Ela nunca disse.

A Kata Wéber arregaçou nesse roteiro, nada melhor do que pessoalidades compartilhadas.

Isso me fez pensar em várias coisas… muitas coisas, uma delas é de como cada mulher lida com a perca, seja ela por conta de um aborto, seja ela por conta de partos mal sucedidos. Tem muitas coisas, mas cada mulher lida de uma forma diferente, mas todos ao redor dessa mulher espera apenas uma coisa: que ela se culpe por perder algo, se culpe, sofra e fique se lamentando o tempo inteiro. Esse é o luto que colocam para a mulher, aquela vê através de morte de algo uma responsabilidade que nunca vira antes; ela precisa sofrer. Mas não é isso que acontece com a Martha. Todos as culpam quando diz que ela tem que achar uma culpada para a morte da filha, mas tudo muda quando ela entende que não houve culpados, aconteceu. Mas sempre querem punir alguém, sempre, até mesmo pelo inesperado.

A tentativa da família suprir a falta de algo com o sofrimento da mulher é agoniante. É uma maneira sutil de culpabilizar mulheres por não serem sensíveis do modo que dizem que devem ser.

E isso vale para:

Nem toda mulher que opta pelo aborto irá sofrer com isso, simplesmente vida que segue.

Nem toda mulher sofre o luto sendo aquela mulher idealizada que vive o luto.

Cada mulher vive seus lutos de alguma forma. Não forcem a barra.

Martha tinha toda a atenção quando estava grávida, quando carregava vida em seu corpo, além da sua, claro. Mas fica claro que a sua vida não importa quando todos se preocupam como ela está vivendo o luto ao invés de entende como ela vive o luto.

O Sam, cara babaca, não entende que ela não tem clima sexual com ele. O que ele fez? Trai. E se vinga dela, ele violenta ela, não só sexualmente, quanto domesticamente, ele pode sair de casa, beber, encher a cara e voltar no outro dia.

Ela não pode. Ela nunca pode. Ela é punida por tentar buscar um escapismo.

Quantas mulheres sofrem disso? Quantas vezes você já foi chamada de insensível por simplesmente não ser toda emoção e expor isso?

Eu já fui.

Para concluir para que o sofrimento da mulher sempre é para bajular o sofrimento de outra pessoa e nunca está bom o suficiente.

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Bj

Historiadora Radical

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gi del fuoco
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Written by gi del fuoco

Como me ensinaram a linguagem, vou usá-la afiada.

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