O que Mayans M.C tem em comum com Peaky Blinders? A masculinidade romântica
A masculinidade é romântica.
Nada me prende mais que séries onde mostram homens com poder, mas que na verdade são grandes românticos iludidos. O grande problema é que eles se beneficiam disso.
Todo mundo sabe o quanto gosto da construção dos personagens de Peaky Blinders (2013) e por isso também fui pega por Mayans M.C (2018). Aliás, de uma forma muito contraditória fui acabar me viciando no universo Mayans, estava pesquisando mulheres na mitologia Maia para meus trabalhos, daí, apareceu o episódio em que aparece Adelita, uma rebelde, onde o nome desse ep carregava o nome da deusa que estava pesquisando, pronto, cai no universo masculino mais uma vez.
Ok, eu sei que Mayans é uma série derivada do Sons Of Anarchy, nenhum homem aqui precisa vir me explicar como acontece toda vez que falo que gosto de Mayans. E pasmen: eu assisti Sons Of Anarchy e gosto muito mais de Mayans. Chorem.
Por que estou me dando o trabalho de escrever sobre homens? Deveria ser o principal questionamento. Mas claro, tem um motivo. O motivo é de como o homem também é construído e, se por um lado, mulheres romantizam o amor, o homem romantiza ele mesmo, talvez por isso mulheres amam demais homens errados, porque a métrica disso quem dá é próprio homem.
Ok, muito bell hooks na cabeça….
No entanto, queria falar aqui de Ezekiel Reyes (Mayans), Tommy Shelby (Peaky Blinders), Jax Teller (Sons Of Anarchy) e Ragnar Lodbrok (Vikings).
O que todos têm em comum? São uns fracassos.
Tem spoiler, ok? Se você não gosta não leia a partir de agora.
Começando pelo Ez, o menino prodígio, que tem a construção de seu personagem feita muito calmamente, um menino que foi traumatizado, tornando-se um homem adulto ferido.
Primeiro, pelo seu trauma amoroso com a Emily que é uma patricinha que casa com seu inimigo. Porra, que azar? Daí somos pegas pelas narrativas de comédia romântica e torcer para que Emily fique com Ez. Vai, eu torci. A série tenta nos mostrar que devemos forçar isso. Mas logo superamos.
O grande problema de Ez Reyes é ele não tratar de se curar e buscar isso em outras mulheres; enquanto combate outros homens com os mesmos traumas ou traumas bem parecidos. A perda da mãe, a perda dos amores, as verdades sobre seu pai, a escolha de Gaby de deixá-lo, tudo isso mostra que o problema é o próprio Ez, embora tenha uma tentativa de mostrar, de maneira mística, que ele é produto pleno da socialização dele desde muito cedo, a culpa de tudo ainda é de Ez de não conseguir enfrentar os problemas como devem ser enfrentados.
Então, logo adianto, a masculinidade criada nas sociedades dá falso poder de que todos os problemas estão resolvidos. Exemplo:
A violência extremada.
Ez não consegue levar desaforo para casa, com isso faz com que machuque Gaby, que por ato de pura feminilidade, quer salvar Ez de si mesmo, romantizando todos os problemas que, em verdade, não foram resolvido, foram socados, deixados sangrar e jogados numa lata. Bem como Ez fala para um dos prospect: “guarda tudo isso dentro de você, bem lá no fundo”. É isso que a masculinidade faz muitas vezes, a verbalização não é falar aqui, o ato de mostrar força que o é e nem sempre isso dá certo, vira vício. Portanto, para mim, a masculinidade é um vício e por isso essas séries se tornam vícios para mim, tenho certeza, pois não faria sentido eu me apegar tanto a esses personagens, mas a forma que nós mulheres somos ensinadas a lidar com homens problemáticos é de que devemos acolher, uma coisa que Adelita não faz e que nos ensina bastante.
Então, além dessa personagem, nos mostrar todo o mecanismo de uma organização de meninas imigrantes traumatizadas, ela também, em nenhum momento, romantiza sua relação com Angel, irmão de Ez, que também sofre da mesma coisa que Ez, mas num formato mais de se infantilizar. Ez também faz isso, mas num formato de bravura, tipo um bebê chorão que quebra seus brinquedos. Por isso, a todo momento tem uns flashback de Ez criança, ele nunca conseguiu superar essa fase, onde criou-se suas frustrações e espera que alguma mulher o mude, mesmo que de forma inconsciente.
Mas tem uma coisa que acredito bastante, raramente a socialização falha. Ez foi criado para isso, Angel também, mas irmão caçula sempre tem mais atenção, né?
Bom, o que mais me chama atenção é ver a quantidade de homens que se inspiram em personagens do tipo. Bem como acontece com Tommy Shelby, o cara não consegue nem proteger a mulher que a diz amar… fica ai o questão.
Mas ainda sim, vejo muito mais fragilidade em Tommy que todo esse poder frio e calculista que vocês dizem, começando pela forma que ele também precisa da presença feminina para acreditar em algum tipo de equilíbrio, mas não tem a coragem de ficar com uma mulher com a mesma sagacidade que o diz ter, por exemplo, ele compra uma mulher prostituída para ficar com ele. Isso é muito claro, não é? Ou vocês acham que aquilo foi autêntico, ah! para.
Homens adoram ver mulheres como salvadoras, como suas mães, a pátria que o acolhe.
Mas que também, por se fazer tão íntima, são as primeiras a serem traídas, enganas e cuspidas. Quantas vezes você teceu críticas à sua mãe por ela se fazer mais presente na sua criação do que seu pai?
Pois é, pense um pouco.
Tudo ali não passa de um grande drama familiar com armas, coletes, gravatas e dentro de uma lógica de poder de facção. As mulheres são só suportes. Reparem, quando os homens surtam nessas duas séries (Mayans e Peaky) quem eles buscam? As mulheres.
Logo, as mulheres são demarcadores de moralidade e polidez moral, por isso, muitas vezes, esses homens escolhem casar-se com mulheres conservadores que fazem de tudo pelo bem da família, passa até pano para suas traições. Ai, ai a narrativa romântico do casamento.
Quando isso não acontece, muito deixam de existir, como é o caso de Jax Teller (Sonf Of Anarchy). Até hoje me pergunto porque Tara não ficou na dela. Engraçado que aqui também, Teller diz que só deixaria essa vida que lavava por Tara, mas como Tara morre nada mais é possível, nem mesmo sua paternidade. Ou seja… dá pra ser pai e um monte de coisa se você quiser, mas mãe só pode ser mãe.
Uma coisa que me deixa bastante encucada é como homens gostam de mitos para vangloriar, como é o caso do Ragnar Lodbrok (Vikings), começando pelo fato de que não há evidência histórica de que ele realmente existiu, o famoso calças peludas, a não ser na literatura nórdica, mas sempre duvidei de muita coisa, então imagina quando se trata de um homem como ele? Que foi morto num fóssil cheio de cobras a mando do rei da Nortúmbria? Bom, entendo que ele é um ótimo exemplo para masculinidade, basta olhar sua imagem:
Mas enfim, mesmo Ragnar morrendo, o que é interessante é a ideia de herança deixada aqui, a cada 10 palavras que um filho dele diz, 5 faz menção ao pai ou aos feitos do pai. Acho que isso que o torna grandioso, ser patriarcal. Mostrar descendência, logicamente, dominância. Mesmo com uma morte trágica, segundo o diretor de Vikings, era pra ele ter morrido na 1ª temporada, mas os homens babaram tanto nesse personagem que teve que criar narrativa (de poder) para ele 4 temporadas. Ou seja, vocês adoram mesmo os homens que estão propensos ao fracasso.
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Bj @historiadora.radical