O debate com uma feminista liberal
“Sentimos, imaginamos, refletimos, rimos, choramos, abraçamo-nos à dor, ou libertamo-nos das penas. Vário é o caminho, mas para a alegria ou a tristeza é sempre franco.” Mary Wollstonecraft (feminista liberal)
Aqui vou falar um pouco de como foi a discussão que foi ao ar no YouTube com uma feminista liberal, uma feminista interseccional e uma não feminista.
Parte I: O feminismo liberal
Sabemos que existem mulheres que se dizem feminista liberal; a internet é recheada de discussão, exposições e intrigas inúteis por conta disso. O fato é, existem mulheres que se dizem feminista liberal e acreditam nele. Mas quem são essas mulheres?
Primeiramente, sabemos que o feminismo é produto do Iluminismo ou da modernidade, assim como outros movimentos, mas focaremos aqui no feminismo, logo entendeu-se que mulheres devem ser lidas como indivíduos também, o que não é errado, o problema é quanto isso traça o “liberalismo”.
É o que muitas mulheres que defendem pautas do feminismo liberal não entendem, mesmo sendo de esquerda, mas para mim ficou claro quando participei de um debate com uma mulher que se diz feminista liberal e o que elas de fato defendem.
Um dos principais pontos é a ideia e a prática de que cada indivíduo é responsável pelo que faz, independente do seja, a escolha do indivíduo é a ponta do triângulo e é esse não é o único problema, o feminismo liberal acredita totalmente na igualdade entre os sexos e que isso só é possível dentro do sistema capitalista.
Bom, é isso que fica extremamente contraditório, mulheres de esquerda defender pautas com a explicativa de “minhas regras, minha vida, meu corpo”. Pois isso para o feminismo radical o feminismo tem de ser uma construção coletiva e não dá para os indivíduos fazer o que bem entender carregando o nome do feminismo consigo sendo que isso, querendo ou não, representa um coletivo. Nisso as feministas liberais não acreditam, mesmo que FEMINISTAS LIBERAIS sejam entendidas como coletiva, mas como disseram na discussão, não é coletiva, é uma “associação livre”, ou seja, “fazer o que eu quero”. Rimos.
O feminismo liberal é fácil de ser desmontado, pois, lembrem-se, se ele é favorável a qualquer ação de qualquer indivíduo dentro do sistema capitalista, então algumas coisas podem ser aceitáveis em nome do respeito do indivíduo, certo? Exemplos, prostituição e pornografia, são temas que sempre causam bastante confusão entre as “vertentes do feminismo”, as feministas liberais acreditam que as mulheres fazem isso por escolha, porque dentro do sistema capitalista, podem fazer o que bem entendem para se emancipar, sim, acreditam na ideia de meritocracia, então, pergunto: se acreditam na ideia de meritocracia, que são aqueles que se esforçam muito e realizam seus desejos, então como acreditar que existe desigualdade entre homens e mulheres e se for apenas, o que os liberais chamam, preguiça? Sim, basta pensar como uma feminista liberal que veremos essas contradições, pois para defender o capitalismo tem de fechar os olhos para inúmeras contradições que ele carrega, ainda mais se você faz um feminismo nesse cenário.
Uma outra questão é o aborto, sim, elas são favoráveis ao aborto como feministas liberais. Mas isso entra em conflito com os outros liberais ou as liberais não feministas (falarei delas em outro texto), pois eles acreditam que aborto é uma forma de assassinato, pois é uma forma de interromper a vida de um indivíduo, mas ué, se o feto é um indivíduo então porque ele não se vira sozinho fora do corpo da mulher? Porque uma mulher tem de arcar por sua vida e por outra sem ela se sentir confortável com isso, sem o consentimento total dela? Daí que nasce, ou melhor, aparece também o conservadorismo contra a mulher, sim, contra a mulher, pois mulheres venderem seus corpos para prostituição e pornografia pode, mas a mulher fazer um aborto não pode, vem com julgamento de “quem mandou abrir as pernas?”, ah, jura mesmo?
Sendo assim, o feminismo liberal teve origem e foi melhor desenvolvido na Europa durante o XVIII, ainda mais quando surgiu a “Reivindicação dos direitos das mulheres” em resposta à “Reivindicações dos direitos dos homens” durante a Revolução Francesa, demorou para chegar às Américas, mas quando chegou, tomou grande espaço nos Estados Unidos da América, apenas em 1960, com as movimentações pelos direitos civis que essa espécie de organização ganhou força. E ficou mais claro ainda que do ponto de vista liberal, a desigualdade de sexos tem origem em uma socialização com base em ideias distorcidas sobre homens e mulheres e ideias culturais que limitam a liberdade do indivíduo em viver como quiser. E as soluções propostas em geral focam-se em mudar ideias e práticas culturais, a reescrita de livros usados nas escolas, reforma das leis e tornar ilegal a discriminação, ou seja, um reformismo, coisa que feministas radicais não acreditam. Portanto, o feminismo liberal carece muito de análises históricas que partem de um ponto de vista geral, não apenas de um indivíduo que é como algumas teóricas fazem, pois é uma inverdade, construção histórica não parte apenas de um indivíduo, isso é subjetivista demais e ignora fatores importantes para análises.
Eu leio mulheres que se dizem feministas liberais, não li todas, mas recomendo que se leia, elas também tem olhares importantes, apenas as práxis e o objetivo que é incoerente e muito prejudicial para as mulheres, ainda mais quando não se faz recorte de classes como deve ser feito.