Maid (2021): o que deve ser apenas viver?
Confesso que o que mais me chamou atenção foi o nome da série “empregada”, não apenas o fato da sinopse deixar clara que trataria de violência doméstica, e já no primeiro episódio me fazer chorar, mas engoli o choro e segui com a série. Me deixei ser atenta em cada detalhe, pois fica evidente que não é uma produção qualquer sobre um assunto tão sério e sensível.
Primeiro trata-se de uma família de brancos, onde a Alex se mostra a mais low profile de todos seus amigos de sua adolescência, mas isso tem um motivo. Uma família desestruturada. Mãe muito jovem. Um namorado abusivo. Também é importante dizer que não um relacionamento ser abusivo, mas sim alguém (podendo ser mais de um) ser abusivo no relacionamento, nesse caso Sean é um típico abusador que te manipula até mesmo enquanto telespectador.
A construção do enredo da série merece no 1.000?! Sim. Pela paciência. Ela nos mostra como devemos ser pacientes com vítimas de homens abusadores, mas não paciente com todo o histórico particular que contribui com a socialização feminina. O fato da mãe de Alex, a Paula, ser vítima também do marido violentador nos mostra que isso se perpetua nas criações dos filhos e das filhas. A não-comunicação entre a mãe e filha nos mostra o medo da fala; o medo da fala da mulher.
Quantas vezes você viu uma mulher defender um homem abusivo do que sua filha por medo? Mesmo que seja um medo inconsciente isso torna-se comum porque somos ensinadas a não falar de nossos incômodos, apenas aguentá-los. Mas quem disse que aguentamos? Paula foge do marido com sua filha e acaba se apegando no misticismo, falta ciência, uma ciência feminina para humanizar qualquer mulher materialmente.
Muitas mulheres têm suas línguas cortadas única e exclusivamente por conta da família patriarcal. A família patriarcal nos mata aos poucos.
A melhor demonstração disso é a vida da Alex. Mesmo ela querendo ser melhor que sua mãe, superá-la, ela já foi corrompida pela socialização, pela violência que nós mulheres somos submetidas e reproduzimos em nome do poder patriarcal.
Ser mãe cedo é um problema por si só, ser mãe sem ter tido um modelo de mãe é pior ainda. Tudo isso piora quando você é pobre porque você se vê presa nisso.
Quem é você mulher pobre que não conseguiu um curso universitário? MÃE.
Quem é você mulher pobre que está em um relacionamento com um homem abusador e não se deu conta disso ao ponto de sentir raiva? UMA MULHER QUE FOI CRIADA PARA ISSO.
Um dos diálogos mais legais que têm é entre Alex e Danielle no abrigo. Quando Danielle não fala apenas de como avança um relacionamento abusivo, mas sim, da raiva. O quanto é importante a mulher sentir raiva, sentir ódio, saber e deixar sentir o que lhe faz isso.
Lembro-me da Audre Lorde em “A transformação do silêncio em linguagem e ação”
“Certamente tenho medo, porque a transformação do silêncio em linguagem e em ação é um ato de autorrevelação, e isso sempre parece estar cheio de perigos. Mas minha filha, quando falei de nosso tema e de minhas dificuldades, me disse: “fala para elas de como nunca se é uma pessoa inteira se guardas silêncio, porque esse pedacinho fica sempre dentro de ti e quer sair, e se segues ignorando-o, ele se torna cada vez mais irritado e furioso, e se nunca o deixar sair um dia diz: basta! E te dá um soco dentro da boca”. No silêncio, cada uma de nós desvia o olhar de seus próprios medos — medo do desprezo, da censura, do julgamento, ou do reconhecimento, do desafio, do aniquilamento. Mas antes de nada acredito que tememos a visibilidade, sem a qual entretanto não podemos viver, não podemos viver verdadeiramente.” | tradução livre
Quando Alex toma consciência disso ela entende que só há uma forma de se vingar, dentro da sua materialidade possível, trabalhando.
Me identifico, pois o trabalho, explora muito, mas pelo menos você pode passar na padaria para comprar um café para você. O trabalho para a mulher pobre é além do que Karl Marx já disse, às vezes a gente só entendeu que ele pode dar um pouco mais de vida, aqui no sentido literal, de não morte.
Isso não significa que há uma defesa do trabalho, muito menos a romantização, ainda mais nesse contexto, onde Alex é contratada de uma agência de empregadas domésticas e se a patroa não paga, ela não recebe. Te doeu ver Alex com a filha dormindo em uma rodoviária porque não tinha dinheiro? Te doeu ver Alex negando ajuda de um “cara legal”, o Nate? Te doeu ver Alex voltando com o abusador Sean porque precisava tirar cochilo porque teria três casas para limpar no dia seguinte?
Sim, a série também aponta quem são a maioria das mulheres que são agenciadas para o trabalho doméstico, são mulheres vulneráveis, às vezes, como Alex extremamente vulneráveis.
Como Alex reconheceu o abuso? Não teve estupro. E agora? Parou para pensar nisso? Não há de fato o “comum da violência doméstica” que a cultura pop dispõe de apresentar. Foram socos na parede. Ali eu me danei a chorar. Não gosto de socos na parede, talvez você também não, é ameaçador, constrangedor, porque socar uma parede perto você? Para mostrar que está irritado? Qual a necessidade? Até quando uma mulher quebra um copo [sem querer] lavando a louça a gente fica um tanto incomodada, enfim, muitas de nós nos identificamos com as micros violências colocadas ali. Dá um nó na garganta, dá um desespero, uma raiva.
Sobre a raiva, é importante dizer, é preciso diferenciar bastante os sentidos nisso, quando a gente sente raiva de uma mulher que não percebe que está sendo abusada, a gente automaticamente está julgando aquela mulher, culpando-a. Quando sentimos raiva do porquê uma mulher tem dificuldades de se livrar de um relacionamento abusivo estamos ignorando todo o histórico e o principal: AQUELA MULHER QUER VIVER.
Alex se esforça todos os dias quando acorda para trabalhar. Quando tenta um diálogo com a sua mãe, coisa que ninguém nunca fez com Paula, percebeu como os “namorados” dela a trata? A única que vê a humana em Paula é a sua filha Alex. Você vê humanidade em sua mãe? Humanidade mesmo, de ver que ali existe uma pessoa, não um útero que jogou uma filha no mundo.
QUERER ESTAR VIVA É ENTENDER QUE MUITAS MULHERES TAMBÉM QUERIAM ESTAR.
POR TODAS AS VÍTIMAS DE VIOLÊNNCIA DOMÉSTICA, FEMINICIDIO, ESTUPRO!!!
DENUNCIE!!!!
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