Ginny & Georgia (2021–2023): nem sempre sua vida é uma causa coletiva

gi del fuoco
7 min readFeb 8, 2023

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Historiadora Radical

Quando comecei a assistir a série pensei imediatamente: nossa, será mesmo que eu devo assistir algo que aparenta ser tão fútil? Primeiro que me passou na cabeça um pré-conceito que nem eu mesma tinha imaginado ter: que mulheres com perfil de Georgia podia ser completamente fúteis, mas sim, quebrei a cara, mais uma forma de entender que sempre devo duvidar de todas minhas visões que foram ensinadas em algum momento da minha vida.

Bom, voltando a série, confesso que me surpreendi pela construção do enredo e quero pontuar alguns pontos com vocês que podemos ver — ou não — em algumas séries que falam das relações com mães e filhas ao longo do texto.

Primeiro que mostra que a relação de mãe e filha podem ser diversas, principalmente na construção dos afetos, mas sabemos que a pessoa adulta ali sempre terá mais influência na relação, no caso de mãe e filha, a mãe. Mas isso não isenta a ideia de que as mulheres que se tornam mães não são influenciadas pelas suas filhas, muito pelo contrário, acho que são dois mundos que se constroem de forma simultânea e paralela e o principal: de forma não linear.

Algumas séries mostram isso de forma muito honesta, uma delas é Gilmore Girls: Tal mãe, Tal filha (2000) (sim, gosto muito dessa série e, particularmente, eu não tenho nenhuma simpatia pela mãe-Lorelai nem pela Rory-filha que é um sentimento completamente diferente do que eu sinto por Ginny e pela Georgia, daí que entra a grande questão e que eu nesse texto vou sim comparar, você querendo ou não, e eu sei que pode doer.

Google Imagens

Lorelai e Rory vive num mundo branco de elite. Mesmo que nenhuma das duas reconheça elas sim privelegiadas pela herança dos avós maternos de Rory. Por mais que Lorelai tenha sido mãe solo durante uma boa parte, sinta o peso do controle de sua mãe e de seu pai, ela ainda não rompe com esse mundo porque sabe que a trás benefícios, seja para ela enquanto filha ou para ela enquanto mãe de Rory.

Cara leitora, se você quiser que eu faça uma resenha exclusiva para Lorelai e Rory, peço, por favor, que você comente sobre seu desejo aqui.

Bom, já no mundo fictício de Ginny e Georgia ele se aproxima mais da minha realidade, a realidade de mães solas que fazem de tudo para sobreviver, saiba que meus textos têm spoilers, mas nada que compromete seu gosto de assistir a série, bom, Georgia passou por tanta coisa, né?

Veio de família pobre e sofria abusos de seu padrasto, sua mãe era viciada em drogas, ela engravidou na adolescência de um cara negro e pronto: pariu uma criança mestiça que nos Estados Unidos é negra e sem discussões.

iSSGeorgia — Google Imagens

Isso é algo que me chamou na série, Georgia nunca falou sobre sua filha a ideia do que é ser uma criança negra, claro, ela estava preocupada com outra coisa: sua sobrevivência e como iria manter sua filha, então esse assunto fugiu de sua mente e não por acaso.

Georgia sendo mãe solo ficou. O pai de Ginny, Zion, como também foi pai na adolescência não ficou. Quando adulto Zion se torna um fotógrafo viajado, financeiramente estável e arrependido por não ter ficado próximo da Ginny (ah, fala sério, mas é isso!).

Quantos homens não pensam assim , né? “Não posso ficar aqui nessa situação (sei lá, sabe, sendo pai aqui da criança que fiz) porque eu posso prejudicar a mim mesmo, não terei sucesso onde quero ter e, quando possível, irei voltar e pedir perdão pela minha ausência, eu só estava buscando estabilidade… o mínimo de dignidade.

Sobre isso, quantos homens negros que são prejudicados pelo patriarcado-capitalista-branco não prejudica mulheres? Aqui, sobre mulheres, não falo de raça, etnia ou algo assim, porque Georgia, no caso era branca e pobre, talvez se fosse rica, a sua realidade seria outra, mas ele ferrou uma mulher pobre por conta de sua ausência. Ao falar nisso, me lembro de uma música do Tupac, Keep Ya Head Up, lançada em 1993, ele diz:

Você sabe o que me deixa infeliz?
Quando os irmãos fazem bebês
E deixam uma jovem mãe ser o papai
E já que todos nós viemos de uma mulher
Recebemos nossos nomes de uma mulher
E fomos criados por uma mulher
Me pergunto por que tiramos das nossas mulheres
Por que estupramos nossas mulheres? Nós odiamos nossas mulheres?
Acho que é hora de matarmos pelas nossas mulheres
Hora de curarmos nossas mulheres, sermos honestos com as nossas mulheres

Sim, nesse som, ele dá uma bronca aos homens negros que largam as mulheres com as crianças. Mas imagina, mulheres nem podem fazer isso, né? Mas me impressiona os próprios “fãs” de Tupac fazendo isso todo dia.

Bom, o pai da Ginny é um cara assim. Embora a série pinte a aproximação dele numa fase que faz você querer gostar dele, mas odiar a Georgia, eu não cai nessa. Ele só estava fazendo o papel de pai e, melhor, a série por mais que demore a humanizar a Georgia ela não deixa que nós desumanizemos os errados de Georgia. E, sim, se você gosta mais de Zion do que da Georgia, você, provavelmente está do lado errado da história?!

Porque não faz sentido gostar mais do Zion sabendo quase nada dele e odiar Georgia pelas suas escolhas.

E aqui vai minha colaboração para humanizar a Georgia:

Georgia é uma menina branca & pobre — assim, se você entende que racismo é um conceito econômico além de social, você entende que Georgia tá ferrada, né?

Georgia uma adolescente que sempre esteve sozinha, sim, sua mãe, como já disse era viciada em drogas e nesse momento ela também tinha um padrasto que a abusava sexualmente.

Georgia é uma mãe.

Georgia é uma criminosa.

Georgia é humana.

Todos os crimes de Georgia, ou melhor, nesses casos, erros, são justificáveis, aqui entra uma fala da namorada do Zion, Simone, numa conversa entre ela e Ginny: “minha ideia é humanizar o caminho para o qual o crime foi cometido…”

E aqui que cai por água a baixo todo um moralismo cristão que faz nós julgarmos Georgia, né? O mesmo moralismo que julga mulheres pobres por roubarem alimentos em estabelecimento para das aos filhos. Ou o mesmo moralismo que julga meninos por roubo à propriedade privada, sem antes entender a dinâmica da propriedade privada (aqui entra a ideia do racial, mas não vou discutir agora).

Bom, sobre Georgia, ela é de fato brilhante, né? O que ela sabe sobre a vida? A própria vida. Pessoas sem privilégios farão absurdos para sobreviver, principalmente se tem outros humanos dependendo de você. Por isso dizem que mãe é mãe. Porque, querendo ou não, ela é obrigada a entender que as crianças dependem dela, principalmente quando só tem ela.

Georgia é um bom exemplo disso, ela tenta melhorar seu afeto de mãe conforme as necessidades dos seus filhos irão aparecendo, sim, ela sabe o que é querer ter uma vida estável, com conforto e afins, isso ela garante para sua filha Ginny e seu filho Austin (que também é de um outro relacionamento conturbado seguido de violência doméstica), mas o que é interessante é a forma que ela deixa claro que se importa, primeiro deixando seus filhos livres para que não vejam limitações para irem adiante, talvez, aqui entre a discussão de que talvez seja por isso que Georgia não entende que o racismo que Ginny sofre pode sim criar limites e isso não depende apenas dela, que louco, né, Georgia? Como assim você não irá poder defender sua filha de tudo? Pois é, mães não poderam, por mais que você se sacrifique, porque que você queira entender, tem coisas que você não irá poder salvar o seu filho.

O que parece chatear bastante a Georgia, mas ela segue. O processo de humanização que Georgia tem com ela mesma, é a ideia de que ela não é perfeita e nem heroína, isso fica claro quando ela repete pra ela mesma que seus filhos são melhores que ela. Seja Ginny, seja Austin.

Isso vem de uma estabilidade que Georgia garante para eles.

Daí que vem a pergunta: quem é Georgia? Uma mulher que mente para sobreviver ou que sobrevive por que mente? É importante entender isso, pois ela não começa mentindo para se dar bem, ela mente para que possa sobreviver bem e mentiras são viciosas, expor vulnerabilidade é algo ruim nesse caso, por isso Georgia cria um mundo quase falso. Suas mentiras são justificáveis, ela não mente para prejudicar outras pessoas, ela mente para se proteger de uma realidade que disseram para ela que era a única possível, mas ela entendeu que não era bem assim.

Sim, não sinto raiva da Georgia, talvez eu apenas sinta raiva dela por conta da heteronormatividade ali, ela é uma mulher que mesmo se dando mal por conta de homens, elas se vê sempre depedente de homens. Mas que alternativa ela tem? Se não ser uma esposa troféu? Ela investiu nisso, né? Investiu. A heterossexualidade é algo cruel, embora Georgia seja completamente sagaz sobre vivência, ela ainda não aprendeu a viver sem homens, isso me dói, sabe?

Talvez seja uma tentativa da diretora Sarah Lampert (s.d) de criticar os homens? Ao meu ver pode ser uma tentativa, uma vez que todos os homens parecem burros demais perto de Georgia. Tanto que o causa insegurança na Georgia não são os homens em si, mas sim as mulheres, já repararam o quanto ela rivaliza com as mulheres? Sim, coisa do heteropatriarcado, né? Principalmente se essa mulher se envolve com um desses homens.

Olha só, acho que deu para deixar a discussão com alguns pontos para vocês pensarem, né?

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Abraços científicos!

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Written by gi del fuoco

Como me ensinaram a linguagem, vou usá-la afiada.

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