Flores Brancas: a flor [da pele] da existência sapatão

gi del fuoco
3 min readOct 13, 2023

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Flores Brancas em apresentação no CCP, 12/10/2023

Penso que ainda estou presa no que muitas outras lésbicas estão: a falta de palavras. Senti tanta coisa ao ver o espetáculo, mas colocar em palavras é tão difícil, me pergunto o porquê.

A garganta apertada é uma das sensações que nós reconhecemos tão bem, né? Aquela agonia entre a voz e o silêncio — a vontade de gritar para o mundo, mas a dúvida de saber se quem escuta vai acolher , ignorar ou agredir— .

O espetáculo é esse misto de alegrias e tristezas porque é sobre as nossas vidas.

Narrar histórias é uma das coisas mais brilhantes que podemos fazer enquanto humanidade, o problema é que as mulheres não são vistas como humanas, lésbicas muito menos. Então, como narrar as nossas histórias?

A invisibilidade sobre as lésbicas é como se fosse uma caixa jogada no mar, se você ousar aparecer ou até mesmo rasgar para se salvar há poucas chances de você viver. Se viver, será um grande empurra caixas para lá e para cá.

Como ficou muito bem colocado na peça, protagonizada pelas sapatonas, caminhoneiras, lésbicas, fanchas, maria-macho, cola-velcro… (a lista continua).

Mas nós vivemos. Vivemos porque temos vida, vida essa que é vivida de tantas formas.

Podemos ver isso na apresentação dessas três histórias, existe inúmeros jeitos de vivenciar a lesbianidade. Se há um jeito certo eu não sei, mas que cada uma de nós estamos sobrevivendo como é possível disso tenho certeza.

Seja fazendo e dizendo que não gosta de brigadeiros. Seja dizendo que não pode brincar para sempre de se esconder. Seja dançando para Yemanjá e criando novas rotas como mulher negra e lésbica. Seja conversando com o cajueiro ou tomando cajuína.

Mas ainda sim, de uma forma ou de outra, a nossa existência é símbolo de quebra de muitos padrões.

Como demonstrado na peça ao apresentar o “Dossiê sobre Lesbocídio no Brasil”, a lésbica caminhoneira é o principal alvo da violência de lesbocídio. E, não, ela não deseja ser homem, apenas porque não segue o estereótipo de como uma mulher deve se vestir. Ela é mulher, mas ela é lésbica, então, ela morre por ser lésbica.

Não que as mulheres heterossexualizadas não sofram com a violência masculina, mas quando você corresponde aos estereótipos de gênero impostos, você tem mais chances de viver.

A peça narra três histórias que terminaram sem felicitações, sem uma vela de bolo de aniversário apagada, sem um adeus digno de todo ser humano.

A peça narra o risco do que é viver enquanto lésbica em uma sociedade que condena o amor entre mulheres.

Mas, sobretudo, a peça também nos faz um pedido, principalmente a nós lesbicas: viva o que tem que viver, que esse viver não traga fins simbólicos (como afastamento de seus familares e amigos), que possamos construir laços fortes, potentes e acolhedor, onde possamos existir noque somos, que possamos ter uma festa de aniversário sem se preocupar se vão olhar estranho quando você apresentar a sua namorada.

No fim, vivam o que tem que viver, principalmente, a sua verdade.

Convido vocês a prestigiar esse trabalho gigante e tão importante para nós lésbicas.

Se você for de São Paulo, nos dias, 12/10, 13/10, 14/10 e 15/10, todos às 20h, tem apresentação no Centro Cultural de São Paulo ao lado metrô Vergueiro. A retirada de ingresso é gratuita! Você pode acessar mais informações aqui (@ciadoflores).

Agradecimentos,

Concepção do espetáculo — Cia do Flores.
Dramaturgia e Direção — Claudia Jordão
Elenco — Daniela Rosa, Denise Hyginio, Fran Rocha, Mica Matos.
Composição Musical — Claudia Jordão, Daniela Rosa, Denise Hyginio, Fran Rocha, Mica Matos.
Direção Musical — Mica Matos. Concepção de Cenário — Claudia Jordao
Produção de Cenário — Osni Rossi e Claudia Jordão Concepção de Luz — Claudia Jordão.
Produção — Melina Marchetti.

Que esse trabalho possa rodar o Brasil inteiro e abraçar tantas lésbicas assim como me abraçou.

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