Ferida (2020): A cura que vem das semelhantes
Primeiro queria comentar mais uma vez o quanto é importante filmes que falam sobre mulheres serem dirigidos por mulheres, pois não fica toda uma romantização tosca sobre a nossa realidade. Logo, gostei bastante da atuação da Halle Berry nesse filme, tanto como atriz como direção.
Bom, esse filme poderia ser mais um clichê sobre a realidade das mulheres e realmente é, pois as realidades das mulheres são sádicas, não são? Não é diferente do que é mostrado ali no filme. Logo sempre fico pensando o quanto é normalizado isso nas vidas das mulheres, é ser mulher é foda demais. Sofrido demais. Calado demais.
Sim, calado demais. O filme quase não tem expressões de sentimentos, observe bem. As relações ali são por negócios desde o inicio, logo, me questiono também o quanto das nossas comunicações são feitas por pura diplomacia? O quanto dos nossos afetos são forçados por sobrevivência?
Acho que esse filme nos mostra isso.
Seja na relação de Jackie Justice com o homem que também é seu empresário, seja na relação dela com sua mãe, seja na relação dela com a treinadora, seja na relação dela com o filho. Essas duas últimas relações é o mais interessante, porque elas são construídas e para não ser criada em cima de uma realidade falsa algumas delas precisam ser rompidas. Não estamos acostumadas com isso quando todas nossas relações são por contratos diplomáticos de sobrevivência.
Esse filme nos mostra a importância do processo que tem no construir um afeto, principalmente se tratando ali da maternidade.
Jackie teve que fazer escolhas bastante difíceis, principalmente quando o assunto é a maternidade. Pois devido à maternidade compulsória, mulheres não constroem a própria maternidade, mulheres, na realidade, quando mães são inseridas numa maternidade criada por instituições que punem as mulheres e também as crianças, principalmente quando a mãe exerce uma maternidade alternativa junto aos seus filhos e às suas filhas. Então, quando ela reencontra seu filho, mesmo que ela o tenha parido, isso não significa que o afeto esteja ali florido, mas que precisará ser florido para que essa criança seja cuidada. E é a coisa mais bonita do filme, a compreensão na comunicação que devemos ter quando queremos construir afetos saudáveis com qualquer um ou uma que seja.
O fato de Manny não verbalizar absolutamente nada devido aos traumas dificulta a comunicação, né. Jackie sentiu isso, mas Jackie compreendeu que se para ela existia um aprendizado em ser mãe, para Manny também era um aprendizado em ser filho de uma mãe. E é ai que não tem hierarquia nas relações, uma coisa muito importante, nem nos termos de ela ser uma adulta e ele uma criança, muito menos dela ser a mãe e ele o filho. Tudo é construção, principalmente isso.
Bom, a relação deles têm todo um contexto violento que faz com que Jackie realmente queira proteger Manny, quando ela se apelida como “A Grande” e ele como “O pequeno”, foi a forma mais didática dela explicar que ele ainda era uma crianças, por mais que ele tenha passado por inúmeras situações que nenhuma criança mereça passar, mas Jackie compreende isso porque ela também não teve uma infância fácil como nos mostra no filme e ela conta para sua mãe que foi vitima de abusos sexuais pelo seu tio.
Bom, uma outra coisa muito importante no filme é a construção da relação dela com a treinadora, a Bobbi. Primeiro assumo aqui que eu crushei muito elas duas devido ao cuidado que a Bobbi tem com a Jackie, não só por ser sua treinadora, mas por entender e se ver no processo de Jackie, pois ela também é mãe e viveu muitos relacionamentos violentos. Sim, a realidade das mulheres é essa. Violenta.
E daí que vem também um dos pontos principais do filme, para mim nem foi o fato dela vencer a grande luta e ter o nome de uma grande lutadora, mas sim dela querer se curar antes de se envolver com a Bobbi, por mais que fosse vantajoso estar com a Bobbi, ela não queria mais aceitar relações pela diplomacia da sobrevivência. Então ela vai, mas sabendo que se for de verdade, ela voltará e ninguém se sentirá usada. É isso que admiro nas mulheres que sabem o quer, ela não precisam usar ninguém de degrau, nem para pisar, nem para subir, se é que me entendem.
E é isso que eu gostaria que fosse possível na realidade das mulheres: construir afetos de uma maneira saudável que não seja apenas por diplomacias de sobrevivência. Pois merecemos, sabe?