Entender o “serviço doméstico” como trabalho seria o começo da revolução
Vocês estão prontas e prontos para isso?
Como filha de uma trabalhadora muito séria que é entendida na sociedade e nas relações de trabalho apenas como a “empregada doméstica” eu sempre me vi muito inserida nesse meio, quando cresci resolve que isso seria o tema da minha vida, que eu ia emancipar as mulheres da minha família, ia mostrar para elas que seus trabalhos são importantes, sendo que quase 90% das mulheres que vêm antes de mim são profissionais da área.
Eu sou a única a ter uma carreia intelectual. A não depender financeiramente de nenhuma instituição tradicional para ser o que sou, não é fácil, mas foi e é extremamente necessário para eu continuar firme na nossa luta.
Vamos lá.
Essa discussão me traz ódio, compreensão e revolução. Primeiro, lendo o livro “O ponto zero da revolução” da Silvia Federeci deu um acalento para meu ser que tanto queima; me senti certa! Pois comecei estudando isso muito cedo, sozinha e nunca vi essas discussões indo longe. Então sim, esse livro se tornou muito para mim, para a minha vida, para a minha luta.
Sabemos que qualquer trabalho no capitalismo é explorador, favorece apenas ao capital e que por fim, para acalmar as revoltas que um trabalhador e uma trabalhadora tem em toda sua trajetória (eu sei que você se revolta sim, em silêncio ou gritando ou chorando ou bebendo no happy hour), mas e aquilo que não é visto como trabalho no caso do “serviço doméstico”?
Nunca vi esse tema sendo trazido por homens marxistas em seus estudos, pois, obviamente, eles se favorecem desse trabalho, bem como Marx engravidou a trabalhadora da limpeza, não é?
E também como diz a Flora Tristan (1803– 1844):
Então, logicamente, discutir o trabalho doméstico como trabalho, logo como exploração (principalmente dentro do capitalismo) não seria tão legal, né?
Bom, é óbvio que o capitalismo se favoreceu da domesticação das meninas para se tornarem mulheres-dona-de-casa. Aliás, o proletário está totalmente livre para ir para o chão da fábrica sem se preocupar com a comida no fogo.
Mas, ainda sim, mesmo com as mulheres entrando no espaço público do trabalho, elas não se livraram do serviço doméstico, pelo contrário, daí vem o que chamamos de dupla e/ou tripla jornada.
Salvo exceção das mulheres burguesas que ao sair para trabalhar podem remunerar (de maneira informal e injusta) as mulheres que fazem o serviço doméstico em seus lugares.
Essa discussão é complexa, né? Mas necessária. A mais necessária.
Ao não retratar o trabalho doméstico como trabalho, dá-se uma ideia de que esse serviço é inerente à natureza feminina, sendo que somos desde meninas ensinadas a como se comportar para ser uma mulher domesticada, para assim, depois servir até de prostituta para os homens num casamento, pois é, a servidão sexual também faz parte desse processo.
O seu marido cansado de trabalhar fora chega cansado, pede comida, bebida, assiste sua televisão e depois exige sexo. O que seria esse casamento se não mais um modelo de prostituição?
Simone de Beauvoir também discute isso:
“Entre as prostitutas e as que se vendem pelo casamento, a única diferença consiste no preço e na duração do contrato.”
Pois é, a mulher do futuro é tudo isso em uma só, se é que já existiu alguma separação ou a não existência completa desses estigmas sobre as mulheres.
Bom, será que os homens revolucionários estão prontos para discutir a domesticação como trabalho? Como fator fundamental para a manutenção do capitalismo?
Enquanto eles pensam, nós mulheres precisamos fazer o nosso. Uma dessas ações é entender que devemos sim olhar o trabalho doméstico, principalmente aquele não é remunerado, que é manutenção da organização de nossas casas e quando há casamento esse serviço dobra para as mulheres (clique para ver a pesquisa), como trabalho, inclusive ter a plena convicção de que ele não é remunerado.
Sobre a remuneração, além do dinheiro, símbolo importante para o capitalismo e para a emancipação das mulheres, pois sabemos que muitas das mulheres tem dependência financeira, ainda mais as mais pobres, são as maiores vítimas de relacionamentos abusivos.
Silvia Federeci discute isso no livro já mencionado, mas ela ainda complementa que ao ter essa ação de remunerar, também daria direito às mulheres o poder de negar o trabalho doméstico, pois além de politizar o trabalho, entenderia que nada tem a ver com a natureza feminina.
Daí, imagina o declínio do capitalismo ao sentir que não há mais quem faz os trabalhos de bases que para além dos trabalhos reprodutivos (parir mão de obra), agora a classe proletária tem de fazer suas tarefas essenciais por si, não há mais terceirização, não há mais exploração da mulher, principalmente da mulher pobre.
E aí, estão prontos para a revolução?