Cinema e streaming: seria possível boicotar?
Aviso que essa não é uma nova discussão e nem uma tentativa de ser, pois desde que o cinema começa a se formar e a tomar o espaço público quem se beneficiou, em sua maioria, foram os homens ligados ao pensamento liberal do século XX. Sendo assim, muitas produções masculinas ganham espaço e vão empurrando cada vez mais as mulheres e suas discussões para as margens. Já com a ascenção do streaming isso tem mudado devido às mudanças históricas e discussões como a agenda da "representatividade", mas o que de fato isso interferiu? Isso foi "algo" bom?
Deixo aqui claro que sou cineasta por um grande amor à ficção junto a possibilidade de registros fotográficos, logo o cinema se faz importante quando sabido usar.
Mas o cinema, embora tenha potencialidade de ser transgressor, também é visto como arte, o que deixa tudo muito amplo e muito sombrio, por isso podemos encontrar inúmeras produções que nos deixem enraivecidas e outras que nos deixem em estados de epifania. Muito da justificativa anterior referente ao cinema é que isso tudo é arte, ou que devêssemos separar o autor da obra quando o primeiro comete algum crime, tal como os grandes nomes; Woody Allen, Roman Polanski, Lars von Trier, Harvey Weinstein etc. Seus filmes ainda estão por aí, Polanski, por exemplo, ganhou o prêmio César em 2020. Longe de mim de querer descrever os crimes cometidos por esses cineastas, pois o que quero mostrar é que existe uma estrutura que permite que produções problemáticas sejam produzidas e veiculadas. O Último Tango em Paris (1972) ainda é assistido por muitas pessoas, mesmo que em 2016 tenha sido noticiado que Maria Schneider sofreu abuso sexual na cena de “Último Tango em Paris” e teve inúmeras tentativas de suicídio.
Então o que seria o boicote? Como já comentei na Górgona Podcast (2019-2021l), o boicote ou cancelamento só serve para aqueles que o sistema já quer cancelar, caso contrário, pessoas ligadas as grandes indústrias irão se restabelecer, justamente por conta de toda a estrutura existente.
Com o streaming temos a falsa sensação de poder que o neoliberalismo nos dá, ou seja, vamos clamar para retirar os filmes que são danosos à sociedade do ar. Até tiram, mas não todos. Por exemplo, a Netflix recebeu reclamações indiretas para que retire de seu catálogo o filme “Como se Tornar o Pior Aluno da Escola (2017)” dirigido por Fabrício Bittar. Sim, reparem esse filme foi lançado em 2017 em salas de cinema. Hoje, 16 de março de 2022, o Governo determina que a classificação do filme deve ser 18 anos. Ou seja, aqui usaram das forças regulamentadoras do Estado para que uma empresa de entretenimento (extremamente neoliberal), como bem diz Reed Hastings, o fundador, continuasse a exibir o filme que é acusado de promover cultura da pedofilia, digo isso porque não assisti, mas acredito que seja extremamente problemático justamente pelo nome sensacionalista que carrega em seu título.
O que quero deixar mais que claro aqui é que o sistema neoliberal te dá alternativas quando há um grande leque de opções: não assista. Seria o que chamamos de boicote. Mas esse não assista vem carregado de “assista outra coisa” que, provavelmente, estará disponível ou até mesmo sendo produzido pela mesma produtora/empresa da qual produziu aquele filme que você pediu boicote, isso é o monopólio. Monopólio esse que é sustentado por uma economia neoliberal que tem parceria com as forças regulamentadoras do Estado e, por isso, aceitam as leis de cotas raciais, sexuais, gêneros, etc, até porque esse público também é público consumidor e assistem produções que os/as representam.
Agora pergunto, você viu alguém pedindo boicote total à Netflix?
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