bell hooks: falar sobre amor não é menos importante
Sim, eu sei que a bell hooks não falou só sobre isso, mas foi uma importante intelectual que falou sobre amor, e eu que sempre gostei de ler sobre isso desde Emma Goldman ali no começo do século XX não pude ignorar toda sua contribuição para esse assunto.
Bom, antes de iniciar esse texto, queria indicar meus livros favoritos da bell hooks. O primeiro é o livro “Teoria Feminista — da margem ao centro”, provavelmente você já deve ter me visto indicando ele quando o assunto é por onde começar estudar feminismo. Já no segundo venho com o livro “Anseios: Raça, gênero e políticas culturais”, falei muito dele em 2020 na Górgona Podcast na temporada “Mídias Negras” da qual falo sobre cinema e bell hooks. Já o terceiro, o livro mais comentando desse ano, obviamente, ele mesmo, “Tudo sobre o amor: novas perspectivas”. E é através dele que venho deixar minha escrita para bell hooks.
Felizmente tive a oportunidade de aprender tanto com ela, felizmente pude falar de você todas as vezes que dei aula, dei palestras, fiz live e escrevi. Eu sou muito grata à existência de bell hooks.
Quando li “Tudo sobre amor” pela primeira vez eu não senti toda a emoção quando li pela 2ª vez no nosso idioma (pt-br). Quando o livro foi lançado aqui no Brasil, no pré-lançamento eu já estava terminando de lê-lo, porque eu precisava daquela leitura, eu tive sede e fome dessa obra, não à toa sai indicando para todo mundo.
Foi como essa frase da bell hooks: “comecei a teorizar porque estava sofrendo — a dor dentro de mim era tão intensa que eu não podia continuar vivendo. Cheguei à teoria desesperada, querendo compreender (…) Mais importante, eu queria fazer a dor ir embora. Vi na teoria um local para a cura.”
Sim, eu também vejo que teorizar é um local para cura. Todo o processo de estudos é um local para a cura, isso não significa que a cura é igual para todas nós, mas nós, enquanto mulheres, precisamos, ao menos, entender a potência do que é ser uma mulher intelectual, pois precisamos delas, precisamos porque sabemos que mulheres, ainda hoje, são as que menos têm acesso aos estudos formais, principalmente mulheres pobres.
Sobre a vida de bell hooks, recomendo vocês pesquisarem, aqui quero falar sobre amor, bom, acho que já comecei a falar sobre amor, você percebeu?
Quando nos perguntam se já amamos alguma vez na vida a resposta que temos é aquela que associa o amor ao sofrer. E não, não tem nada a ver. Quando bell hooks nos ensina sobre amor ela realmente nos ensina sobre amor. Amar não é sofrer. Nunca foi. Nunca será.
Infelizmente o amor é corrompido por contratos, instituições e padrões que nos limitam. Casamento não é sinônimo de amor, como aprendi com Emma Goldman e ensinei para as minhas alunas. Amor é a ação. Amor é o presente. É você ser feliz porque está ali, porque está sendo tão você com aquela pessoa. Aqui não falo apenas de amor-afetivo-sexual, falo das pessoas que estão ao nosso redor, todas elas inclusas, falo sobre relações humanas.
No prefácio do livro ela diz:
“Podemos encontrar o amor pelo qual nosso coração anseia, mas não antes de nos desapegarmos do luto em relação ao amor perdido há tanto tempo, quando éramos pequenos e não tínhamos voz para expressar os desejos de nosso coração. Olhando para trás, descobri que todos os anos da minha vida em que eu pensava estar em busca do amor foram simplesmente tentativas de recuperar o que havia perdido, voltar ao primeiro lar, regressar ao arrebatamento do primeiro amor. Eu não estava realmente pronta para amar e ser amada no presente. Ainda estava de luto — apegada ao coração partido da meninice, a conexões desfeitas. Quando o luto acabou, fui capaz de amar novamente.”
Nós, muitas vezes, não amamos e não nos sentimos amadas porque estamos apegadas ao luto de um amor que foi perdido, estamos apegadas ao fim, mas fins são normais, eles acontecem, é como uma regra da vida. O que devemos fazer (e ela mesma diz) é estar pronta para amar e ser amada no presente, é o presente que importa. Ao invés de ficarmos preocupadas com o que esse amor pode ser daqui 5 anos, podemos simplesmente nos preocupar o que vamos fazer com esse amor hoje, agora, nesse momento. Quantas oportunidades já perdemos por não estar no presente?
Aprendi tanto com isso que, talvez, por isso meus relacionamentos curtos ou longos me geraram bons momentos. Aprendi a me entregar para o presente.
Falar sobre amor se tornou um ato político para mim.
Não somos ensinadas sobre o que é amor… desde meninas dizem que o amor é aquele que implica e nos machuca, por exemplo, “ah, se fulana(o) faz isso com você é porque quer chamar sua atenção… quer te provocar…” nunca entendi isso direito. Vindo de um lugar que sempre recebi muito amor eu nunca consegui magoar (de forma intencional) quem eu disse amar. Isso também não significa que o amor é sinônimo de perfeição e é tudo cor-de-rosa como nos filmes. O amor gera conflitos. Porque são duas existências vivendo num mesmo espaço-tempo, coisa que nem a física consegue explicar, tentando fazer dar certo. Isso acontece em todos os ambientes nos políticos e nos mais íntimos. Como a própria hooks diz:
“Você já teve algum relacionamento com alguém que não teve conflito? Isso não acontece. Muito menos quando amamos alguém”.
Mas sabe, conflito não é a mesma coisa que sofrimento. Conflito não é a mesma coisa que controle. Se você está conflitando com alguém, você tem que estar disposta a ouvi-la, escuta-la e abrir mão de vencer às vezes. Conflito não é uma corrida de quem chega primeiro, conflito nas relações é sobre andarmos juntas… como podemos fazer tal coisa para que possamos dar certo já que queremos que dê certo.
Como ela diz: “despertar para o amor só poder acontecer se nos desapegarmos da obsessão pelo poder e pela dominação”. Essa ideia de que amor é sobre dominação, logo sobre poder, custa a vida de mulheres, às vezes literalmente. Olhem os dados de feminicídio em escala mundial.
Logo, nós mulheres quando falamos de amor falamos de um lugar de falta, falamos assim porque entendemos que nunca recebemos o amor que desejava, até porque o que é esse amor que desejamos? Hoje eu sei muito o amor que eu desejo. Já experimentei ele algumas vezes, quando ele não estava mais sendo servido, fiz o que Nina Simone nos ensina: “precisamos levantar da mesa quando o amor não é mais servido.”. Aprender isso é revolucionário. Para mim, para hooks, significa que aprendemos a ser completas, incluo também o autônoma. Uso aqui o bom e velho do clichê: sou tão minha que sei de quem quero ser. Isso serve para todas as relações — famílias, amizades e amores.
Uma mulher que fala desse tipo de amor é suspeita. Do amor que respeita a autenticidade do ser humano, que tem o amor como ato de liberdade, porque ele foge de tudo que nos foi ensinado, ensinam para nós que amor é você se doar 100% até deixar de ser quem você é, ensinam para gente que o perdão é a cura do nosso sofrer, ensinam a mansidão e a passividade. Nos ensinam o silêncio. Logo, uma mulher que fala de amor é uma ameaça.
Querer saber sobre amor e estudar sobre o amor me ensinou que a grande maioria das relações vivem o abismo do desamor. Vivem com exageros materiais para tapar vazios ou para nos enganar. Nos perdemos.
O amor não é abusivo. O amor é nutrição, primeiro de nós mesmas, depois de outras pessoas. Acreditar na humanidade nos faz querer amar. Quando dizemos “ah, não confio em ninguém…”, cara, tem certeza? Sim, eu entendo, quando estamos magoadas a tendência é criar protecionismos e códigos para que o outro quebre ou decifre (o que não acho tão bacana de deixar o outro com essa responsabilidade), mas também não acho que fazemos isso tão ao pé da letra. Confiamos sim, por isso ainda acreditamos que sempre vamos ter um amor e nos sentir amadas e isso é bom porque amar é bom.
Como diz hooks: cuidado é amor, abusos e negligências são coisas opostas ao amor. Daí entra todas as linguagens de amor possíveis. Eu sei que a minha linguagem de amor é o toque e fala. Gosto da presença. Logo, aquela pessoa que não me oferece isso não seja para mim e tudo bem. Linguagem é tudo aquilo que comunica, se não há essa comunicação não pode ser possível existir uma relação. Mas calma aí, isso não significa que a presença deva ser sufocante, não isso não, amar nossa intimidade, nossa privacidade é a coisa mais importante antes de tudo. Pense assim: tudo que posso dar para o outro do bom e do melhor também posso dar para mim. Ser presente para você mesma é o ato de amor mais bonito.
Costumo dizer para quem me lê e me vê: o autocuidado me faz.
Talvez por isso eu não sofra com rompimentos, sinto tristeza, mas tristeza não é sofrer. Volto naquilo de ser presente, de estar no presente, ele evita grandes criações de expectativas e, acreditem, minha cabeça é um terreno fértil para criar expectativas sou cinéfila, se eu contar para vocês todos os filmes de comédia-romântica que me faz chorar vocês ririam ou chorariam, vai entender, né. Mas isso também me forma. Assistir filmes do Adam Sandler e Jennifer Aniston me ajudou na compreensão do meu ser (acreditem).
Bom, com bell hooks, aprendi que o amor é uma ação, além do sentimento. Dizer que amamos algo é muito menor do quanto entendemos que o amor é uma ação vinda de nós mesmas, porque assim, passamos a ver o amor como responsabilidade e comprometimento. Somos ensinadas que não temos controle sobre nossos sentimentos, eu mesma acreditei nisso um bom tempo, logo precisei ver em “tudo sobre amor” que podemos controlar nossas ações, aceitando que nossas ações têm consequências e podem voltar para nós mesmas, por isso, entender o amor como ação é nos livrarmos das convenções sociais que nos enganam. Por isso, eu cuido dos meus amores, eles sempre terão o melhor de mim, porque a minha ação de amar é responsabilidade minha, é um compromisso meu e eu gosto de pensar que o amor é uma ação política.