Amor, Plástico e Barulho (2013): estéticas diferentes com o mesmo propósito
Sonhos é bom quando se pode, de verdade, sonhar.
Será que seria muito capitalista a ideia de achar que todo artista precisa de uma carreira de diva?
Esse questionamento me veio quando em 2019 assisti esse filme pela primeira vez no curso de cinema, o final do filme, fora do comum, me deixou pensativa, desde então, esse filme se tornou um grande divisor de água pelo gosto ao cinema, me fez consumir mais cinema brasileiro, ainda mais de mulheres, obrigada Renata.
Aqui, nesse filme, podemos ver que qualquer trabalho artístico é trabalho, geralmente sem luxos, mas com muita exploração, pois sonhos podem ser facilmente moldados no chão da exploração.
Quem se sobressai é quem mais se doa pelo outro, nesse caso, Jaqueline, esperta à ignorância. Ela sabe que não teria nome se fosse como Shelly: contida. A arte tem como um de seus procedimentos em relação à mulher o male gaze. A gente sabe. A câmera não fez questão nenhuma de esconder isso, mesmo que tenha uma grande diferença, pois a performance é apelativa, tanto quando na cena em que ela está sendo gravada para o seu novo clipe.
É forçado.
Toda mulher na arte, mesmo quando cria, precisa ser musa para sua arte ser vista.
No brega, por mais que tenha uma regionalidade que o limita, ainda sim, está inserido no mercado capitalista, logo não é diferente, nem o que acontece com Jaqueline, nem o que acontece com Shelly.
A competição entre elas acontece, mas não só pela carreira de cantora brega, mas também pela aprovação masculina, que as fazem criar uma representação pornificada (aqui é interessante pensar que a pornografia cria uma diversidade de mulheres em tons de cabelos, cor de pele, tipos de corpo para facilitar a objetificação, já que basta um clique para você ‘trocar de tela’), Shelly ao se diferenciar, enquanto feminilidade, de Jaqueline, ganha um outro tipo de atenção. Aquela piada tosca “carne nova no pedaço”. Não, não. Ela sempre esteve ali, mas agora aceitou a ideia de receber o olhar masculino para conseguir o que quer também, coisa que Jaqueline já tinha sacado há muito tempo.
Porém, isso fica claro o quanto é cansativo, quando Jaqueline tem seu momento de surto no ensaio.
Como sonhar se a sexualização sempre está ali? Ignorar? Se calejar. Saber com clareza que você, enquanto mulher pobre, terá a função de sempre parecer disponível sexualmente?
O que acontece com os homens nesse meio?
Renata foi esperta. Quando coloca o cantor no meio da jogada, vestido, totalmente vestido, falando de amor, um grande poeta que faz a artista-musa voltar para o seu lugar de mulher pobre. Mas, talvez, mais feliz. Seus sonhos são interrompidos por muitas coisas, sonhar demais, seria se despersonalizar, a indústria faz isso. Quem é você no capitalismo se não apenas um objeto? Quem é você no patriarcado se não uma mulher-objeto?
A parte mais bonita do filme é quando Jaqueline e Shelly conseguem se humanizar, beber uma cerveja e ser ver como humanas. Fodidas, mas humanas. Isso faz falta na vida de uma mulher. Só elas podem ver a dor da outra, porque elas tinham o mesmo sonho, tinham o mesmo corpo, logo a mesma função.
Só uma mulher que sente a dor dos seus sonhos pode humanizar outra mulher que sente a dor dos sonhos dela.
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