5 filmes pedófilos que você, talvez, romantize
A indústria do cinema é uma grande distribuidora, inclusive de pensamentos pedófilos e eu darei spoiler sobre isso tudo.
Obs: contém fotos com nudismo.
Platoon — Os Bravos do Pelotão (1986)
O filme passa-se durante a Guerra do Vietnã (1955–75) e é dirigido por Oliver Stone, esse filme tem um enredo parecido com qualquer filme de guerra, não em especial e memorável para ser lembrado aqui, apenas queria dizer que Platoon foi aclamado pela critica especializada: Roger Ebert, um dos críticos de cinema mais requisitados, deu quatro de quatro estrelas, chamando-lhe de o melhor filme do ano e o nono melhor dos anos 80 e este recebeu seis milhões de orçamento. Americanos adoram montar e distribuir narrativas onde se mostram heróis, logo tudo está justificado.
Inclusive o caso do estupro contra crianças. Mas antes de falar disso, queria lembrar que há várias cenas que crianças vietnamitas são extremamente agredidas e ameaçadas pelo exército estadunidense. No momento o filme mostra soldados estuprando duas meninas vietnamitas [contém muito gatilho] e Taylor interpretado pelo ator Chalie Sheen (que é um babaca na vida real) impede esse estupro; temos aí um salvador americano. Mas em nenhum momento esse foi o ponto das críticaso o que mais chamou atenção foi a atuação e o cenário dessa obra. Ninguém se dispôs a mostrar o problema violento que é o estupro em guerras ainda mais de crianças que são extremamente vulneráveis. Discuti-se muitos sobre as armadas das guerras, mas e o estupro não seria uma arma de guerra?
De olhos bem fechados (1999)
Último filme do conhecidíssimo Stanley Kubrick, o filme tenta, antes de mais nada, dar uma ideia de Voyeurismo, quando o filme se inicia. A Alice interpretado pela atriz Nicole Kidman, aparece se despindo e sendo observada e do nado a tela fica preta, como se fosse os olhos fechando. É importante perceber que Alice aparece em muitas cenas nuas, aparecem também em muitas cenas na frente de um espelho ou olhando para um espelho, ela está se sentindo entediada por ser uma dona de casa, mesmo sendo uma classe privilegiada, igual aquela Alice lá sabe do País das Maravilhas?!
Já Bill interpretado pelo ator Tom Cruise, aparece sempre sempre esbanjando seu poder através do dinheiro e profissão de médico, há cenas que ele tira da carteira uma grande quantidade de dinheiro para pagar uma mulher prostituída, há cenas que ele apresenta seu cracha para as pessoas confiarem nele e há cenas que ele até rasga dinheiro. Bill ali ganha um outro significado que é a alusão ao dólar (United States one-dollar bill). Ah, tenho certeza que você não sacou essa, sacou?
No decorrer do filme eles vão a um evento de elite, onde encontra-se uma estrela no salão dessa festa, essa na Mesopotâmia era usada para representar a deusa Ishtar, que é apresentada como uma deusa que tinha como atributo a feminilidade, o amor e o sexo, mas também era a soberana da guerra, representada como colecionadora de amantes e vingativa. Parece que esses padrões ainda estão bem presentes na sociedade, não é? De maneira totalmente pejorativa e é assim que as mulheres costumavam ser representadas na História, inclusive na antiguidade; mística e com problemas de personalidade. Também no filme fala-se de Ovídio (aquele misógino miserável) com alguém perguntando à Alice sobre a obra “A Arte de Amar” que foi escrito na Roma Antiga antes da Era Comum, ela tem três livros ou músicas nas quais Ovídio dá dicas sobre relacionamentos amorosos: onde encontrar mulheres, como atraí-las, como conquistá-las, como conquistá-las, como manter o amor, como recuperá-lo, como impedir que seja roubado, etc. Esse livro era bem requisitado pela elite da época e parece ser bem requisitado ainda, é avaliado na maioria dos sites de vendas com 5 estrelas no ano de 2020 e ele é extremamente machista e misógino. E se você não sabe quem é Ovídio busque saber.
O mundo onde o arco-íris termina parece ser a parte podre desse mundo, que é onde Ziegler interpretado pelo ator Sydney Pollac parece ter uma escrava sexual. Daí as coisas só tendem a piorar: o mundo secreto ou a festa secreta é onde tudo pode acontecer, onde todos se tornam iguais por conta daquelas máscaras e capas que parece que vai ser uma forma de Bill tirar Alice do tédio.
Tudo isso vem se dando pela discussão que Alice e Bill tiveram no início do filme; sua atração por outro homem, o que deixou Bill extremamente incomodado e ameaçado, mesmo que o ato não tenha sido consumado.
Fazendo esse panorama do filme percebemos que é um filme de adultos para adultos, mas há algo que chama bastante atenção, são as cenas em que Bill sempre faz “jogos de sedução” com fêmeas mais jovens, há uma cena em que ele vai em uma loja e há uma moça com a aparência bem de adolescente que ele diz ter “belos olhos intumescidos de desejos” sem nenhum problema.
O jogo de sedução que é o que muitos entendem, não passa de ser jogos de quem é predador sexual ou está tentando ser através de todo o seu poder. As festas de elite com um ar de BDSM (pois há metres, sacerdotes, sacrificados, etc) acaba matando uma mulher prostituída por tortura no lugar de Bill e todos nesse evento não vê nenhum problema nisso, é uma celebração, porque é o que grandes poderosos gostam e que Kubrick nos deixou de olhos bem abertos.
Engraçado que é um filme que muita gente gosta, inclusive progressistas, mas esquece de toda hierarquia que há no “sexo”, quando Kevin Spacey, estuprador e assediador, interpretou Frank Underwoodem House of Cards ele diz:
“Tudo é sobre sexo, exceto o sexo. Sexo é sobre poder.” e “A generosidade é uma forma de poder.” Se você acha que alguém está querendo te ajudar nesse assuntos, lembre-se dessas frases.
Leon, O profissional (1994)
Inicialmente, a ideia era que Mathilda e Léon se tornassem “amantes”. A base da relação entre uma menina de 12 anos e um homem muito mais velho, é a história do próprio diretor Luc Besson, que começou a namorar a atriz Maïwenn (com quem estava noivo durante as gravações) quando ela tinha apenas 15 anos, enquanto ele já estava com 32. O relacionamento não durou mais do que cinco anos.
Na época, dentro das críticas do mundo da sétima arte, Jean Reno que interpreta Léon saiu em defesa de seu personagem e afirmou que Léon jamais seria capaz de forçar Mathilda a algo ou ainda aproveitar-se da menina, visto que o personagem é um homem mentalmente lento e emocionalmente muito abalado. Alegou ainda que em todas as cenas onde a polêmica é levantada, é a menina que possui o controle e, mesmo assim, o contato físico jamais existiria. Porém, em uma das cenas cortadas, Léon rejeita sim, Mathilda, mas não por motivos morais, apenas por questões emocionais que permeiam o seu passado. Ele parece simplesmente não enxergar a situação em que está inserido, como se não existisse qualquer diferença entre ele e a menina. Como se ele fosse uma planta.
A cena censura do filme mostra-se Mathilda saindo de uma porta, nesse momento a câmera pausa e mostra a menina de cima a baixo, como se você fosse o olhar de de Léon sobre a menina, lembre-se cinema adora Voyeurismo. Mathilda ao oferecer um copo de leite para Léon e simultaneamente pergunta a ele se a primeira vez dela seria boa, Léon diz que não pode fazer isso por problemas do passado como já disse,não por ela ser uma pré-adolescente, então ela pede para que eles pudessem dormir juntos, ele aceita sem nenhum problema. Entendo assim, parece que o filme quis mostrar que homens adultos são seduzidos por meninas, por crianças, em último caso por mulheres, como se não tivessem nenhum interesse ou fosse forçado a ceder, mas não é o que acontece. Nessas cenas o filme traz uma grande apelação de que Léon é um ser vulnerável fácil de ser manipulador, mas na verdade, quem estava assim era Mathilda por conta dos problemas familiares e dessa forma que um entra na vida do outro. Aliás, foi o fato de Léon ser um matador que atraiu ainda mais Mathilda para se vingar pela morte do seu irmão.
Numa cena Léon e Mathilda brincam de “adivinhar o artista” o que leva a Mathilda se vestir com peças adultas e estereotipar uma mulher adulta, roupas íntimas sensuais e a forma como se exibe é o que mais chama atenção, mas Léon não vê nenhum problema nenhum nisso. Inclusive, há uma cena que Léon diz que a ama.
Alguns fãs dos filmes vão dizer que isso não tem nada a ver com pedofilia e que a Mathilda que não sabia o que era afetividade e atenção e Léon supriu isso. Bem, é verdade, mas isso não exclui o fato do Léon ser o homem da relação e esse é o grande problema, Mathilda precisa de ajuda médica, assim como muitas pessoas, inclusive meninos, inclusive Léon. Sendo assim, o quadro psicológico de Mathilda devido às condições materiais de suas experiências fez com que ela pudesse ser a vítima perfeita e ainda ser culpada por esse comportamento e se caso pior viesse acontecer quem iriam culpar?
E no fim, o filme conclui que Léon morre por Mathilda. Sendo assim, um herói. Mas o que de fato mudou na vida de Mathilda? Ficar presa a um Léon que morreu de novo sozinha?
Malena (2000)
Malena é um filme do diretor Giuseppe Tornatore é muito filme para o masculino. Para a ideia do masculino, para a construção do masculino. Me questionei mil vezes se era um filme sobre pedofilia, pois ali não expõe nenhuma predadora sexual, nenhum ato violento de estupro a grosso modo, mas há mil problemáticas que logo direi.
O filme retrata a Itália na Segunda Guerra Mundial, lá, Renato Amoroso, um garoto de doze anos que mora com seus pais e irmãs mais velhas, encontra seus colegas à tarde para observar Maddalena Scordia, conhecida na cidade como Malèna, uma jovem de 27 anos, casada com Nino Scordia, um soldado enviado para a África após a declaração de guerra na Itália. Todo dia que ela sai para a cidade a trabalho, ele a observa e a admira, seguindo-a e espionando-a através das janelas de sua casa. Pausa aqui.
É um menino, mas que tipo de meninos a sociedade cria? Aquele que te persegue? Aquele te vigia? Aquele que te objetifica com os olhos? Aquele que insiste em algo não correspondido e cria algo em seu imaginário de que algo tem que ser seu a todo custo porque você é XY e está sendo socializado como menino-homem. Então esse é o primeiro ponto; o quão meninos por serem XY se veêm com livre acesso ao ponto de perseguir uma mulher e invadir sua privacidade, aqui entende-se seu corpo e sua casa.
Outro ponto são as fantasias que Renato tem com Malena em sua privacidade. Ele se excita, se masturba, chega a gozar pensando no corpo de uma mulher adulta que ele viu ao espioná-la pela janela da casa dela. Invasão de privacidade, ou melhor, todo mundo entende desde cedo que não há problema nisso e é comum, normal e natural. É um XY!
Em uma das cenas o pai de Renato acha uma calcinha de Malena da qual que ele roubou para se masturbar, o pai de antemão fica revoltado, mas logo entende que tudo bem, então para resolver o problema de uma criança de 12 anos ele o leva em um prostíbulo para perder sua virgindade.
Então assim termina, a todo momento o corpo de Malena é usado para algo, ela é um corpo ali e mais nada, ela deve ter no máximo 15 palavra no longa. O fator central é seu corpo, a fotografia faz questão que o protagonismo seja de seu corpo, tanto no desejo imposto à criança quanto as violências que Malena sofre por ser casada e ter tido um caso com outro homem por conta de sobrevivência, fazem dela uma vítima perfeita do corpo, como qualquer filme da Monica Bellucci em que faz-se questão de estar nas regras do male-gaze. E quando ela volta com seu marido, ela é tratada melhor por todos daquele espaço e a câmera/fotografia deixa de ver ela como mulher, ou melhor, corpo sensual que está ali só pelos outros nunca por ela.
Lolita, 1997
Desde a publicação de “Lolita” em 1955, o apelido da personagem Dolores Haze toma um significado de uma criança hiper sexualizada, manipuladora e maldosamente ingênua. Na verdade, esses substantivos que sempre estão ligados ao sexo feminino que é aquela “ninfeta” dos vídeos-pornôs mundial e que você acha com facilidade por ai e que está consolidado no imaginário popular tem pouco a ver com a personagem do livro de Vladimir Nabokov.
Sally Horner, de 11 anos, sequestrada e maltratada por um pedófilo Frank la Salle em 1948 é de quem Vladimir Nabokov escreve.
“Então quem foi o responsável por nos fazer acreditar que é de boa celebrar uma vítima de pedofilia como um ícone sexual? Lolita é referência para diversos produtos da cultura de massa, desde ao thriller de 1993 “The Crush”, estrelado por Alicia Silverstone, às letras de Lana Del Rey, que chegou a receber a alcunha de “Lolita perdida na periferia”. Fica difícil apontar dedos e estabelecer qual é a fonte original”
A pesquisadora Denize Lazarin acredita que a culpa é das adaptações do romance em filme e que foram aclamados por Hollywood. Lolita ganhou o cinema duas vezes: em 1962, nas mãos de Stanley Kubrick, e em 1997, por Adrien Lyne. Essa visão, no entanto, é um tanto rasa, uma vez que interpretações tendenciosas já apareciam em críticas literárias publicadas no ano da publicação do romance de Nabokov.
Um dos críticos, Lionel Trilling, teve a pachorra de escrever que Lolita tinha poucos sentimentos a serem violados. Alguns críticos acreditava que “Lolita é sobre amor. Quase cada página expõe uma emoção erótica explícita e ainda assim é sobre amor”.
E é por isso que no filme de Lyne podemos perceber com clareza quais são os elementos que fazem as pessoas exergarem Lolita como uma história de amor, e não um relato de abuso.
Lolita é apresentado por Lyne como um romance proibido e não-correspondido. Não há a tensão entre desejo e moral presente no romance. O espectador não pode fazer nada além de aquiescer com a suposta paixão de Humbert, pois não são levantadas dúvidas quanto a sua honestidade.
A distorção ocorre por meio de várias artimanhas, como a omissão de pontos importantes da narrativa. Se no romance o leitor tem consciência da pedofilia de Humbert, ela é disfarçada no filme. Em nenhum momento o Humbert fílmico menciona sua condição de pedófilo, enquanto o Humbert do romance o faz prontamente. A omissão faz parecer que a atração por Dolores se trata de uma exceção, e não um padrão na vida sexual do padastro.
A atriz Dominique Swain, que interpreta Dolores, tinha 17 anos quando realizou o filme. O corpo adolescente de Swain disfarça a pedofilia de Humbert, tornando menos ofensiva ao público a atração física pela garota. A câmera desliza pelo corpo da atriz, convidando a gente para apreciá-lo da mesma forma que Humbert. O espectador é cúmplice do pedófilo.
O narrador de Lolita é um homem controlador, manipulador e cônscio do efeito de suas ações. É o control freak, e não o apaixonado, que de seu carro observa Dolores enquanto a garota encontra os amigos numa lanchonete. O assassinato de Clare Quilty, sequestrador de Dolores, não é motivado por amor, e sim por vingança. É a forma que Humbert encontra para recuperar o controle da situação. Depois de matar Quilty, escrever é o último recurso que Humbert encontra para exercer sua vontade de controle: “Oh, my Lolita, I have only words to play with!”. Jogo de palavras exímio: “play” significa “brincar”, mas também “manipular”.
O Humbert fílmico é um homem passivo, impotente e inconsciente de suas ações. Os encontros com Dolores parecem acidentais, e não orquestrados por uma mente obcecada e inquieta. A tentativa de drogar Lolita para estuprá-la no hotel The Enchant Hunters, presente no livro, é eliminada no filme. Diante do “poder de sedução” da menina Haze, Humbert é incapaz de qualquer resistência. É a garota de 12 anos que manipula o homem de 40, uma inversão de papéis que soa absurda.
Há uma tentativa de isolar Lolita como uma garota hipersexuada, que portanto convida os abusos de Humbert. Enquanto as experiências sexuais de infância de Humbert exibidas no começo do filme são vistas como comuns, as de Dolores são anormais. Em Lolita de 1997, a sexualidade feminina é um fenômeno excepcional e incomum. O despertar natural de uma menina para o sexo é apropriado e exibido como uma queda para a depravação. Isso responsabiliza a vítima–Lolita–pelo próprio abuso.
A sexualidade de Lolita, em vez de ser um instrumento de subversão, serve apenas para confirmar a ordem da mulher assexuada. Ao relegar a menina cônscia de seu sexo a uma situação de exceção mítica, estamos negando a sexualidade feminina. Não é o sexo que corrompe Lolita. É a objetificação efetuada por Humbert que a degrada e a desumaniza.
O filme de 1997 omite também a resistência de Dolores a Humbert. Se no romance ela o arranha, procura nas viagens se rodear de adultos, evita e recede conta seus avanços sexuais, nada disso é mostrado na obra de Lyne. Nele, Dolores não apenas não evita como sente prazer em ser “conquistada” por Humbert. O que era estupro é transfigurado em sexo consensual.
A exigência de Dolores por compensação financeira em troca de sexo, com o fim de juntar o dinheiro para uma fuga, não é retratada como uma tentativa de subverter o domínio do padrasto e sim como mais uma característica na construção de uma personagem egoísta, insensível e cruel.
O herói e o pedófilo
Nabokov constrói uma dualidade entre Clare Quilty e Humbert que é eliminada no final do livro. “I rolled over him. We rolled over me. They rolled over him. We rolled over us”. Humbert se refere a Quilty como “meu irmão”. Adrian Lyne exarceba a oposição entre os personagens e não restaura a unicidade final. Isso cria uma disputa entre Bem e Mal. Humbert é representado como o herói apaixonado e Quilty como o vilão pervertido.
Os abusos que Humbert perpetua sobre Lolita são retratados como prova de amor, enquanto Quilty é “o verdadeiro pedófilo”. Todas as características negativas são transferidas a Clare, restando a Humbert assumir o papel de herói romântico e trágico. Nesse contexto, o assassinato de Clare Quilty é desejável, já que representa a eliminação suprema do Mal pelo Bem e a expurgação de Humbert — para quem a maioria está torcendo.
No romance não há uma realidade concreta a ser comparada com as elucubrações de Humbert, já no filme de Lyne o subjetivo se traveste de objetivo. O espectador se resigna ao papel de voyeur, observando as cenas transcorrerem. Quem assiste o filme de Lyne é mais passivo do que quem lê o livro de Nabokov, pois não te m direito à dúvida. Como diz Lazarin,
“Enquanto no romance estamos cientes a todo momento da condição de discurso construído, na adaptação de Lyne, a trama assume um efeito de realidade”.
É por meio desse travestismo que o filme de 1997 reforça o discurso da Lolita mítica, embora não seja o seu criador.
Apesar de ser a personagem que dá o título ao filme, Lolita em si não é importante. Ela serve apenas para provocar sensações em Humbert; o verdadeiro protagonista é a suposta paixão que ela desperta. O desejo sexual de Humbert é mais importante do que a integridade física e psicológica da menina. Não se pode dizer não a um homem apaixonado, mesmo que seu objeto de afeto seja uma criança orfã.
Perante o amor do herói romântico tudo é justificável, seja sequestro, abuso sexual, violência doméstica ou assassinato. Adrian Lyne constrói o filme de tal forma que o choca a plateia não é a pedofilia, e sim a sexualidade manifesta de Dolores e a rejeição de Humbert.
Alguém aí pode argumentar que uma adaptação cinematográfica não tem obrigação de corresponder à obra original. Nenhum filme existe no vácuo. Qualquer produção está sujeita a valores culturais e ao mesmo tempo tem o poder de influenciá-los. O diretor, quando seleciona o que será mostrado ou não e de que forma isso ocorrerá, está inevitavelmente construindo um discurso. E tem total responsabilidade sobre o que produz.
Ao omitir o estupro e a violência de Humbert sobre Lolita, ele afirma que esses episódios são irrelevantes para a construção da história. Em Lolita de 1997, o desejo masculino é mais importante e digno de ser contado do que a violação e a tortura psicológica de uma pré-adolescente. Humanizar o molestador não significa redimí-lo: é nessa tenuidade que Lyne e os entusiastas das ninfetas se confundem.
Obs: Essa não foi a primeira vez que o diretor Adrian Lyne adaptou um livro sobre um relacionamento abusivo para transformá-lo em um clássico do cinema erótico. Quase uma década antes, ele fez o mesmo com “Nove semanas e meia de amor”, um dos filmes considerados como a “versão original” de “Cinquenta tons de cinza”.